sexta-feira, 28 de setembro de 2012

RESPONSABILIDADE DOS GERENTES - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 28.09.2012


 Sou gerente de uma sociedade e sinto uma grande pressão sobre mim pois sei que os meus actos envolvem muita responsabilidade e tenho receio, precisamente, de poder ser responsabilizado pelos credores da sociedade e pelos trabalhadores pelas decisões tomadas. Como me poderei proteger?

Antes de mais convém esclarecer que nas sociedades por quotas os gerentes devem praticar todos os actos convenientes ou necessários para a realização do objecto social mas com respeito pelas deliberações dos sócios. Assim, em princípio, os gerentes actuarão de acordo com o que for deliberado pelos sócios, pelo que, o poder decisório não lhes será, em primeira linha, imputado.

Contudo, todos os gerentes estão adstritos a um dever de cuidado e devem empregar a diligência que é exigível, neste âmbito, a um gestor criterioso e ordenado.
Devem, além disso, observar um dever de lealdade para com os interesses da sociedade, atendendo aos interesses a longo prazo dos sócios e ponderando todos os interesses dos demais sujeitos que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade, e, ainda, dos trabalhadores, credores e clientes.

Posto isso, a lei responsabiliza os gerentes pelos danos causados por todos os actos por eles praticados com preterição dos seus deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que agiram sem culpa. A responsabilidade poderá até ser excluída no caso de os gerentes provarem que actuaram em termos informados, livres de quaisquer interesses pessoais e de acordo com critérios de racionalidade empresarial.
Também não serão responsabilizados pelos danos que sejam resultantes de uma deliberação colegial na qual hajam votado vencidos ou que nela não tenham participado.
A lei também exclui a responsabilidade dos gerentes quando o acto ou omissão causador de danos à sociedade resulte de deliberação dos sócios.

Para além de responderem perante a sociedade pelos danos a esta causados pelos actos ou omissões por si praticados, os gerentes respondem, ainda, perante os credores da sociedade sempre que, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes credores, o património da sociedade se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

Finalmente, os órgãos de administração de uma sociedade respondem perante os sócios e perante terceiros pelos danos que directamente lhes causem no exercício das suas funções.

Conclui-se, assim, que, apesar de os gerentes poderem, de facto, ser responsabilizados no decurso do exercício das suas funções, é necessário que a sua actuação tenha sido culposa e que, por via disso, se tenham provocado danos na esfera jurídica da sociedade, dos sócios, dos trabalhadores, credores e demais terceiros.

Se os gerentes tiverem actuado sem culpa, de acordo com critérios de racionalidade empresarial ou mesmo no âmbito de uma deliberação colegial mas na qual hajam votado vencidos, a sua responsabilidade poderá ser afastada. O mesmo se verifica quando a sua actuação se ficar a dever a uma deliberação dos sócios, visto que, neste caso, a responsabilidade será imputada aos sócios e não aos gerentes.

Deste modo, deverá o consulente, tão-só, agir de forma diligente e criteriosa no exercício das suas funções de gerência e votar vencido, se as deliberações forem colegiais (ou seja, se houver uma gerência plural) e tiver dúvidas quanto à legalidade do acto a praticar.

ENTRAGA DA CASA AO BANCO - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 28.09.2012



 Para adquirir a minha casa, há 5 anos, contraí um crédito à habitação junto de um Banco. Neste momento, estou desempregado e tenho dificuldade em pagar as prestações atempadamente. Ouvi dizer que um tribunal decidiu que a entrega da casa ao Banco saldava a dívida toda e que o Governo também está a preparar uma lei nesse sentido. É verdade?
               
De acordo com os dados do Banco de Portugal, quase 700.000,00 pessoas têm prestações de créditos em atraso. Face a este cenário de incumprimento do crédito contraído, especialmente no que concerne ao crédito à habitação, têm vindo a ser adotadas algumas medidas e soluções que procuram minorar a situação complicada das famílias portuguesas.

A conhecida sentença proferida pelo Tribunal de Portalegre é pioneira e inédita no direito português, ao contrário do que vem acontecendo no país vizinho, onde as sentenças semelhantes são mais abundantes e onde são os Bancos a assumir o risco imobiliário. Aquele Tribunal entendeu que o montante que permaneceria em dívida, após a entrega da casa ao Banco, seria o diferencial entre o valor em dívida e o valor do bem que esteve na base do negócio. Ou seja, é o valor do imóvel, que esteve na base da concessão do empréstimo, que passa a balizar o incumprimento, independentemente do valor pelo qual aquele venha a ser adquirido pela instituição de crédito, isto é, independentemente do valor do imóvel à data da sua entrega ao Banco. O mesmo, contudo, não é dizer que a entrega da casa ao Banco salda a dívida na tua totalidade, até porque os devedores, no caso do Tribunal de Portalegre, tiveram de liquidar os juros que acresceram ao capital mutuado.

Nesta senda, o PSD e o CDS-PP apresentaram o Projeto de Lei n.º 247/XII (doravante Projeto) que visa criar um regime extraordinário de reestruturação de dívidas emergentes de créditos para a aquisição ou construção de habitação própria permanente. Nesse Projeto prevê-se que, caso o devedor e o seu agregado preencham os requisitos necessários à aplicação desta medida, os Bancos ficam obrigados a reestruturar a dívida, de forma a evitar o incumprimento e, dessa forma, diminuir a taxa de esforço das famílias. Porém, a escolha do meio para atingir esse fim cabe à instituição financeira, sendo sugeridas no Projeto várias soluções, como a concessão de um período de carência que poderá ir até quatro anos ou a prorrogação do prazo de amortização do empréstimo até ao limite de 50 anos ou, ainda, a constituição de uma segunda hipoteca.

Ao contrário do que inicialmente se previa, o Projeto não prevê a obrigatoriedade do Banco receber a casa como pagamento do empréstimo (dação). Esta solução é-nos, agora, apresentada como último recurso, quando a reestruturação falha e, caso seja aplicada, o devedor tem direito a ficar no imóvel pelo prazo de seis meses.

Para poder beneficiar deste regime, as famílias terão, porém, que reunir um conjunto específico de condições, como, por exemplo, pelo menos um dos membros do agregado familiar tem de estar desempregado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PENSÃO DE ALIMENTOS: DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 14.09.2012



 Sou uma cidadã francesa, que durante alguns anos residiu em Portugal. Em 2010 divorciei-me, tendo-me sido atribuída uma pensão de alimentos. Desde essa data voltei a residir em França, mas como o meu ex-marido reside em Portugal a administração tributária portuguesa pretende tributar-me esse rendimento. Existirá fundamento para tal pretensão?

No caso em apreço, estamos perante uma situação tributária plurilocalizada. Assim, é necessário analisar o enquadramento fiscal no estado da residência (França) e no estado fonte (Portugal), bem como analisar o conteúdo da convenção entre Portugal e França para evitar a dupla tributação (doravante CDT).
O artigo 23.º da CDT estabelece que “os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante não expressamente mencionados nos artigos anteriores só podem ser tributados nesse Estado, desde que estejam nele sujeitos a imposto em conformidade com a respectiva legislação fiscalEste artigo, que tem natureza residual, é aplicável ao rendimento proveniente de pensões de alimentos, pois, tal rendimento não se encontra mencionado nos restantes artigos da convenção. Por isso, o direito de tributação cabe exclusivamente ao Estado da residência, sendo que esta regra só será alterada se o Estado da residência não tributar tais rendimentos.

Posto isto, é preciso estabelecer qual é a residência fiscal da consulente. Segundo a lei fiscal portuguesa, são consideradas residentes, entre outras situações, as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, hajam permanecido em Portugal por mais de 183 dias, ou disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual. Ora, não ocorrendo nenhuma das situações acima referidas, a consulente apenas poderá ser tributada, em Portugal, como não residente, nos termos do artigo 13.º e 18.º do Código de IRS (CIRS). Além disso, nos termos do citado artigo 18.º n.º 1, aliena l) do CIRS, consideram-se rendimentos obtidos em Portugal, as pensões devidas por entidade que tenha residência em território português. Assim, se o devedor da pensão tiver residência em Portugal o rendimento considera-se aqui obtido.

Além disso, é necessário analisar se as pensões de alimentos são um rendimento tributável em sede de IRS. O artigo 11.º n.º 1, alínea c) do CIRS, estabelece que se consideram pensões para efeitos de rendimentos da categoria H, “as pensões e subvenções não compreendidas nas alíneas anteriores”, como serão, nomeadamente, as pensões de alimentos. Nestes termos, a Administração Tributária portuguesa está legitimada a tributar a aludida pensão a residentes ou a não residentes quando o rendimento se considere aqui obtido. No entanto, como estamos perante uma situação plurilocalizada, é necessário analisar a mesma situação segundo as normas fiscais francesas. Nos termos do artigo 4.º-B do Código Geral dos Impostos francês, são considerados residentes as pessoas que têm a sua casa em território francês ou aí se situa o principal local de residência. Ora, no caso em análise, a consulente tem residência em França. Quanto à tributação das pensões de alimentos, a legislação fiscal francesa também as tributa, pois, o artigo 79.º do referido código dispõe que as pensões concorrem para a formação do rendimento global, que serve de base ao imposto sobre o rendimento. Portanto, ambos os Estados podem tributar este rendimento, razão pela qual a Administração Tributária deveria aplicar a regra residual, prevista no artigo 23.º da CDT, que tem como consequência que a consulente apenas pode ser tributada pelo Estado da residência (França). Além disso, como França também tributa as pensões de alimentos não se coloca o problema mencionado na última parte da referida disposição legal, quando o Estado da residência não tributa o referido rendimento.

Em conclusão, a consulente não pode ser tributada em Portugal, não tendo que entregar qualquer declaração de IRS, relativa ao ano de 2010. No entanto, como a residência é o elemento fulcral do problema que se analisou, será necessário apresentar um certificado de residência, a ser emitido pelas autoridades fiscais francesas, requerendo a aplicação da referida Convenção relativa à dupla tributação.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DIREITO DE CONCORRÊNCIA - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 07.09.2012


  Sinto que a manutenção da minha atividade empresarial pode estar em risco pelos preços praticados por outra empresa do mesmo ramo, que a meu ver são abaixo do custo de produção. Haverá algo que possa fazer?

O caso em apreço remeto-nos para questões de direito concorrencial, deveras pertinentes e actuais, uma vez que o novo regime jurídico da concorrência (aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio) entrou em vigor no dia 07 de Julho do presente ano. Este novo regime é uma imposição do memorando de entendimento assinado com a “troika”, que prevê um reforço dos poderes da Autoridade da Concorrência.

Deste modo, o que pode estar em causa a prática de preços anticoncorrenciais por parte da empresa sua concorrente, que talvez por deter uma posição dominante no mercado os consiga praticar.

Certas empresas dominantes, muitas das vezes - apenas por estratégia mercantil – suportam as perdas inerentes à venda abaixo custo de produção, com a única intenção de diminuírem as empresas concorrentes, por não conseguirem competir de igual forma.

Diz-se que as empresas encontram-se em posição dominante quando têm possibilidade de adoptar comportamentos independentes, que lhes permite agir sem ter em atenção os concorrentes, os clientes ou os fornecedores. Tal sucede quando, devido à sua quota de mercado, ou desta em combinação, nomeadamente, com a posse de conhecimentos técnicos, matérias - primas ou capitais, dispõem da possibilidade de determinar os preços ou controlar a produção ou a distribuição para uma parte significativa dos produtos em causa. Na Europa, não é ilícito uma empresa deter uma posição dominante, assim, só se considera ilícito, o abuso da mesma.
O abuso de posição dominante integra-se nas práticas anticoncorrenciais do mercado. Considerando-se práticas anticoncorrenciais, qualquer tipo de comportamento por operador ou conjunto de operadores que tenha em vista a obtenção e exploração, singular ou colectiva, do poder de mercado, ou seja, o poder de manter o preço dos seus produtos acima do preço que seria praticado num mercado competitivo. No caso que me indicou, podemos estar perante uma situação de um abuso de posição dominante, pela prática de preços predatórios.
Assim, para falarmos de abuso de posição dominante, teremos de analisar o disposto no artigo 102.º do TFUE. Este proíbe o abuso de posição dominante, singular ou colectiva, numa parte significativa ou na totalidade do mercado comum, na medida em que afete o comércio entre os Estados – Membros.
Não é oferecida uma definição de abuso, recorrendo-se apenas a uma combinação da proibição sob forma de cláusula geral seguida de uma tipologia exemplificativa. De acordo com esta ultima, as práticas abusivas podem consistir em:
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contactos.

Concluímos assim, que a prática de preços predatórios poderá consubstanciar um abuso de posição dominante (sendo que o problema dos preços predatórios depende da existência de um referencial de preço, pode ser encontrado no custo marginal ou no custo médio variável. Diríamos então que o preço predatório estaria abaixo desse referencial, ou seja abaixo do preço de custo de mercado).

O mecanismo a adoptar para reagir a esta situação é dar conhecimento à Autoridade da Concorrência que, para o efeito, dispõe de poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação.

VISTOS GOLD - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 07.09.2012


Sou cidadão estrangeiro e pretendo investir em Portugal, contudo não me encontro a par do regime jurídico português, no que diz respeito aos investimentos. De que benefícios poderei usufruir, se investir em território português?
Entrou em vigor no passado dia 8 de Outubro de 2012, a lei de 29/2012, que visa a alteração da lei n.º 23/2007, estabelecendo as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração.
 e acordo com o n.º1 do artigo 10.º do Decreto-lei 23/2007, para a entrada em território nacional, os cidadãos estrangeiros “têm de ser titulares de visto válido e adequado à finalidade…”.
De entre as múltiplas e significativas alterações que a nova lei veio implementar, as mais relevantes para o caso sub Júdice, são as que contendem com os critérios de atribuição dos Vistos Gold, mais correntemente denominados vistos de investimentos, que decerto lhe serão de manifesto interesse, se não vejamos:

Os Vistos Gold visam atrair poupanças e investimentos para Portugal, propósitos esses, que se enquadram nos objetivos de dinamização da diplomacia económica prosseguida pelo Governo, instituindo, nessa conformidade, um novo mecanismo que permitirá a nacionais de países terceiros realizarem investimento em Portugal sob determinadas condições (vide artigo 3.º, alínea d) que define “Atividade de investimento “.

Desta forma, os nacionais de Estados terceiros que demonstrem a realização de investimentos, nos termos infra referidos, passam a ter a oportunidade, nestes casos, de obter autorização de residência com muito mais facilidade.
Nesta conformidade, foi introduzida uma nova subsecção, relativa à “Autorização de residência para atividade de investimento” a nacionais de Estados terceiros (vide artigo 90.º) desde que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:
Satisfaçam as condições gerais de concessão (vide artigo 77.º); sejam portadores de vistos Schengenválidos; regularizem a estada em Portugal dentro do prazo de noventa dias a contar da data da primeira entrada em território nacional; venham exercer uma “atividade de investimento”.
Sendo certo que, para a aplicação deste regime, a nova lei define como “atividade de investimento” qualquer atividade exercida pessoalmente ou através de uma sociedade que conduza, em regra, à concretização, pelo menos, de uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos: transferência de capitais no montante igual ou superior a 1 milhão de euros; criação de, pelo menos, 30 postos de trabalho; aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros;
No que concerne ao investimento, mantêm-se, ainda, as regras relativas a vistos de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores e relativas aos vistos de estadia temporária para exercício de atividade profissional subordinada de carácter temporário.
Nesses casos, mediante proposta do diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da administração interna (decisões que devem ser devidamente fundamentadas) pode ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na lei: por razões de interesse nacional; por razões humanitárias; por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.
Ultimando, se investir em território português poderá ver facilitados e simplificados os mecanismos de obtenção de autorização de residência, desde que, preencha os pressupostos exigíveis e estabelecidos pelos artigos 3.º e 90.º da Lei 29/2012.