Tenho recebido, no meu telemóvel,
uma grande quantidade de sugestões para adquirir bens pela Internet. Algumas
interessam-me, mas ouvi dizer que é muito perigoso.
Posso comprar sem
problemas? Que cuidados devo ter?
Com o crescimento
do comércio eletrónico, a oferta de produtos passou a apresentar-se sob formas
cada vez mais diversas, o que conduziu ao aumento da complexidade das questões
jurídicas a ele associadas. O recente fenómeno dos websites de compras coletivas
tem originado muitas queixas por parte dos consumidores.
Nessas páginas
podem-se comprar bens ou serviços das mais variadas empresas por um preço mais
económico do que o praticado nas suas lojas físicas. Os compradores recebem por
e-mail um “voucher” que incorpora o direito a receber um produto ou a exigir a
prestação de um serviço por parte de um determinado estabelecimento. Porém,
muitos problemas têm surgido a propósito deste modelo de contratação, desde a
não entrega do produto ou a recusa da realização da prestação do serviço por
parte das empresas “físicas” até à inexistência ou encerramento das mesmas.
Estes contratos
caracterizam-se como contratos de adesão, isto é, o seu conteúdo encontra-se
predefinido pelo predisponente (a sociedade detentora do website de compras
coletivas) através de cláusulas contratuais gerais, não podendo o aceitante (o
consumidor) negociar as condições propostas, resumindo-se assim a sua autonomia
contratual à aceitação ou não aceitação do contrato predisposto. O Decreto-Lei
446/85 de 25 de Outubro regula este tipo de contratos e comina com a nulidade
vários tipos de cláusulas que visam criar um manifesto desequilíbrio entre
os direitos e as obrigações das partes em favor do predisponente, designando-as
como cláusulas abusivas. É comum os websites de compras coletivas
incluírem cláusulas que excluem a sua responsabilidade pelo não cumprimento ou
pelo cumprimento defeituoso das obrigações por parte dos titulares dos
estabelecimentos que fornecem os produtos ou prestam os serviços.
Entendemos que tais
cláusulas são absolutamente proibidas, já que preenchem a previsão da alínea d)
do artigo 21º do Decreto-Lei 446/85, e, consequentemente, nulas. As cláusulas
que estabelecem que os “vouchers” não atribuem o direito ao uso de serviços ou
à aquisição de produtos num determinado momento à escolha do consumidor, sendo
necessário, em consequência, combinar individualmente com o parceiro a data
para a entrega do produto ou para a prestação do serviço, também devem ser
consideradas absolutamente proibidas e, portanto, nulas. Isto porque essas
cláusulas podem dificultar a satisfação do direito que o “voucher” incorpora,
limitando-se assim a obrigação de garantia que a sociedade titular do website
assume de que o “voucher” atribui um direito à prestação do serviço ou ao
fornecimento do produto pelo Parceiro, preenchendo-se dessa forma a previsão da
alínea a) do artigo 21º do do Decreto-Lei 446/85.
Os contratos em
análise são celebrados sem a presença física e simultânea das partes, mas antes
através de uma técnica de comunicação à distância (meios de comunicação
eletrónica), pelo que também estão sujeitos ao regime jurídico do DL 143/2001
de 26 de Abril. Por isso, no âmbito dessa relação jurídica o consumidor goza do
direito de resolver o contrato (artigo 6º do DL 143/2001), que implica a
destruição retroativa dos efeitos de negócio celebrado e, consequentemente, a
devolução do bem comprado e a restituição do montante despendido com a sua
aquisição. Para exercer este direito o consumidor deve enviar uma carta
registada com aviso de receção ao outro contraente ou à pessoa para tal
designada no prazo de 14 dias após a receção do bem na qual manifeste a vontade
de resolver o contrato, não sendo necessária a indicação de qualquer motivo.
Nalguns casos excecionais o prazo anteriormente referido é alargado.
Assim, caso tenha
problemas em utilizar o “voucher” que adquiriu, o consumidor pode devolvê-lo e
exigir o preço que por ele pagou à sociedade detentora do sítio de compras
coletivas. Porém, muitas vezes aquela recusa-se a fazer a restituição. Nesse
caso poderá intentar-se uma ação judicial para recuperar o pagamento feito
antecipadamente. Mas se essa sociedade não estiver sediada nem representada por
nenhuma sucursal em Portugal é muito complicado conseguir executar uma decisão
que a condene.
O consumidor também
dispõe de meios de defesa face à empresa que comercializa o produto ou que
presta o serviço. Isto porque, como já foi acima referido, o “voucher”
incorpora o direito a uma prestação por parte dessa empresa (entrega de um
produto ou realização de um serviço). Por isso, o consumidor poderá intentar
uma ação de cumprimento contra a sociedade titular da empresa física e, se esta
não cumprir, pedir uma indemnização pelo não cumprimento da obrigação, que
incluirá, naturalmente, o dinheiro despendido com a compra do “voucher”. No
entanto, esta solução não está expressa na lei, pelo que seria
vantajosa uma legislação específica para os contratos celebrados através
dos websites de compras coletivas.
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