sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Artigo Publicado no Jornal Vida Económica!

NO ANO EUROPEU DO VOLUNTARISMO E DA CIDADANIA

A ideia de liberdade passa pela dessacralização do que dizem pretensos gurus, intelectuais encartados, comentadores e analistas tipo “gato escondido com rabo de fora”.

Não poderia deixar de expressar sincero regozijo face ao teor de um breve artigo que li, recentemente, da autoria de Paulo Baldaia, diretor da TSF: “(…) Sou jornalista e ponho o dedo na ferida. Não existem poderes sacrossantos, não acreditem em tudo o que vêem, lêem ou ouvem. Os jornalistas são seres humanos que erram, que vivem de ser contrapoder e que, na sua missão, cometem excessos de voluntarismo (…)”. Atrevo-me a acrescentar ao elenco, por maioria de razão, os comentadores políticos, os analistas e, em geral, os designados “opinion makers” e, no mais, quase me apetecia ficar por aqui. É que, pensando o mesmo – e tendo-o declarado, por vezes com indignação, em vários escritos – aquela reflexão vale pelo que diz, mas mais ainda, vinda da pessoa que vem. Deveria, mesmo, ser aposta à entrada do “livro de estilo” que alguns órgãos de comunicação social já têm, e a maioria, convenientemente, não, como seria de colocar no frontispício dos livros de leitura primária.
A ideia de liberdade passa por aqui – pela dessacralização do que dizem pretensos gurus, intelectuais encartados, comentadores e analistas tipo “gato escondido com rabo de fora”. Passa pelo exercício do poder de cada cidadão pensar por si, ler mais e ouvir outras opiniões antes de julgar ou de ter opinião. E esta tarefa é tão mais urgente e importante quanto é inegável que na vida político-partidária, perante o fanatismo em que esta se esvai, não conhecemos, senão o preto e o branco: se um diz algo, é imperativo que o outro diga, logo, o seu contrário mesmo que com argumentos redondos e, muitas vezes, patéticos.
Hoje, como sempre, (John Stuart, Mill y la democracia del siglo XXI, ed. Joseja Dolores Ruiz Resa) alguns dos graves problemas que enfrentamos passam pela tensão entre elites (falsas, muitas vezes) e a generalidade dos cidadãos, pela perversão do interesse geral face a interesses pessoais e egoísmos sinistros, pela marginalização política dos que não querem ir em manada, pela manipulação descarada da opinião pública e males idênticos.
A solução exige que se seja livre e se afirme em todas as circunstâncias tal liberdade.
Neste ano de 2011, que a Comissão Europeia declarou o Ano Europeu do Voluntariado e da Cidadania, interpela-nos o desafio de “dar tempo a quem precisa, a troco de nada” que constitui, afinal, a essência ou espírito do voluntariado.
Somos demasiado passivos apesar dos riscos e dos perigos que nos cercam, talvez na ideia, insensata, de que lhes escaparemos sempre pois os conflitos e os problemas só acontecerão aos outros. É, assim, este “Portugal sentado” que é urgente abanar, acordar e incitar a voluntarizar-se para a reflexão tanto quanto para a ação. Se é certo que nunca, como hoje, foi possível estar em contato com tanta gente e recolher tanta informação, o certo é que é a solidão que impera. Através da internet e das ferramentas nela disponíveis, tanto quanto da televisão e outros meios de comunicação que as novas tecnologias disponibilizam, vamos onde queremos e contatamos quem queremos, mas desprezamos, muitas vezes, o calor de uma boa tertúlia, um diálogo de olhos nos olhos, numa boa polémica com os amigos que estão ao nosso lado. O mundo moderno trouxe-nos conquistas formidáveis, decerto, mas, também, delicados bloqueios à nossa humanidade. Pode-se nasce in vitro e é comum morrer-se in maquina, tal como passar a vida na clausura de um ecrã solitariamente. O apelo da cidadania vai noutro sentido, rejeita o individuocentrismo e o egoísmo e reclama a partilha.
É por isso que se impõe sair do casulo e frequentar – partilhar – um bom debate público, opinando e, até, mostrando indignação e revolta aos que estão ao nosso lado, em vez de consumir passivamente os “enlatados” que andam por aí à venda.
Tal exige um grande esforço cívico, uma forte luta contra o comodismo, uma vontade firme de “ser com os outros” em reflexividade permanente.
O mau uso de tanta e tão diversificada “tecnologia da solidão” vai acabar por matar a nossa humanidade se não arrepiarmos caminho.
E mais cedo do que muitos pensam.

                                                                  E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

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