sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 16.11.2012



O regime jurídico dos crimes fiscais encontra-se consagrado no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), que substituiu o antigo Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA). Nos crimes fiscais é possível distinguir dois tipos, a fraude simples ou qualificada, prevista no artigo 103.º e 104.º do RGIT e o abuso de confiança, previsto no artigo 105.º do mesmo diploma legal.

O artigo 105.º do RGIT estabelece que quem não entregar prestação tributária de valor superior a € 7.500 é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias para as pessoas físicas (o abuso de confiança fiscal é simples se a prestação em falta não exceder os € 50.000). No caso das pessoas colectivas ou equiparadas a pena é de multa até 720 dias, ao abrigo do disposto no artigo 12.º n.º 3 do RGIT. O anterior regime jurídico utilizava a expressão quem se apropriar, tendo sido alterada para afastar o regime do crime de abuso de confiança fiscal do crime de abuso de confiança comum. Assim, o regime fiscal prescinde da apropriação como elemento do tipo objectivo de ilícito, o que torna esta norma especial em relação a que tipifica o crime de abuso de confiança comum. Em consequência tratar-se-á de um crime omissivo puro.

O artigo 105.º n.º 5 do RGIT prevê a punição agravada de 1 a 5 anos de prisão (pessoas físicas) e de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas, mas que, ainda assim, é punido de forma menos severa que o abuso de confiança comum. Por outro lado, em sede fiscal, a tentativa na sua forma simples não é punida.

Nos termos do artigo 5.º n.º 2 do RGIT, este crime considera-se praticado na data em que termine o prazo para o cumprimento dos deveres tributários. Porém, o artigo 105.º n.º 4 do RGIT dispõe que os factos puníveis por esta disposição legal só ocorrem se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo legal da entrega da prestação. Em consequência, também o prazo de prescrição só se inicia a partir do 91.º dia posterior ao prazo legal de entrega da prestação. Além disso, a punibilidade depende ainda de, havendo declaração, mas faltando a entrega da prestação tributária, o contribuinte notificado para o efeito, não pague a prestação devida acrescida dos juros e do valor da coima aplicável no prazo de 30 dias.

Na determinação do caracter simples ou agravado o artigo 105.º n.º 7 do RGIT dispõe que os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar á administração tributária. Portanto, o valor global das prestações não pode ser considerado para o efeito de qualificar o crime de abuso de confiança fiscal, tendo somente relevância em sede de determinação da pena para aferir do grau de ilicitude. No entanto, este facto não invalida a existência de um crime continuado, cuja existência ou não depende unicamente do preenchimento dos requisitos do artigo 30.º n.º 2 do Código Penal.

O objecto da não entrega é uma prestação tributária deduzida e que o agente estava legalmente obrigado a entregar ou que tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar. Assim, a não entrega da prestação tributária pela sua não dedução, não liquidação ou não recebimento apenas constitui uma contra-ordenação por falta de entrega da prestação tributária.

Nestes crimes a autoria pertence a quem esteja obrigado pela lei tributária ao cumprimento dos deveres que são pressupostos da norma incriminadora, ou por quem actue em nome daqueles que estão obrigados ao cumprimento de tais deveres. Ora, em termos subjectivos este crime é doloso, mas se existir negligência na entrega da prestação tributária poderá eventualmente existir uma contra-ordenação.

Como supra referido, pelo crime de abuso de confiança fiscal o seu agente pode incorrer numa pena de prisão que pode ir até aos 5 anos. Ora, neste âmbito coloca-se a questão da legalidade constitucional, pela hipotética violação do princípio da proibição de prisão por dívidas, consagrado artigo 1.º do protocolo n.º 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual. Porém, o Tribunal Constitucional tem entendido de forma reiterada que não se verifica a hipotética inconstitucionalidade, considerando que o princípio é apenas aplicado aos devedores de boa-fé, quanto às obrigações contratuais e não no que se refere às obrigações legais.

Finalmente refira-se que a exclusão da ilicitude do facto (o direito de necessidade ou o conflito de deveres), com base na alegação que, a não entrega das prestações tributárias, ocorreu por necessidade de pagar salários e de manter a empresa em funcionamento, tem sido rejeitada pela jurisprudência com fundamento na superioridade da obrigação de pagar impostos.

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