sexta-feira, 2 de novembro de 2012

VENDAS ONLINE - ARTIGO PUBLICADO NA VIDA ECONÓMICA, NA RUBRICA "DIREITOS", EM 2.11.2012


Tenho recebido, no meu telemóvel, uma grande quantidade de sugestões para adquirir bens pela Internet. Algumas interessam-me, mas ouvi dizer que é muito perigoso.

Posso comprar sem problemas? Que cuidados devo ter?

Com o crescimento do comércio eletrónico, a oferta de produtos passou a apresentar-se sob formas cada vez mais diversas, o que conduziu ao aumento da complexidade das questões jurídicas a ele associadas. O recente fenómeno dos websites de compras coletivas tem originado muitas queixas por parte dos consumidores.

Nessas páginas podem-se comprar bens ou serviços das mais variadas empresas por um preço mais económico do que o praticado nas suas lojas físicas. Os compradores recebem por e-mail um “voucher” que incorpora o direito a receber um produto ou a exigir a prestação de um serviço por parte de um determinado estabelecimento. Porém, muitos problemas têm surgido a propósito deste modelo de contratação, desde a não entrega do produto ou a recusa da realização da prestação do serviço por parte das empresas “físicas” até à inexistência ou encerramento das mesmas.

Estes contratos caracterizam-se como contratos de adesão, isto é, o seu conteúdo encontra-se predefinido pelo predisponente (a sociedade detentora do website de compras coletivas) através de cláusulas contratuais gerais, não podendo o aceitante (o consumidor) negociar as condições propostas, resumindo-se assim a sua autonomia contratual à aceitação ou não aceitação do contrato predisposto. O Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro regula este tipo de contratos e comina com a nulidade vários tipos de cláusulas que visam criar um manifesto desequilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes em favor do predisponente, designando-as como cláusulas abusivas. É comum os websites de compras coletivas incluírem cláusulas que excluem a sua responsabilidade pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso das obrigações por parte dos titulares dos estabelecimentos que fornecem os produtos ou prestam os serviços.

Entendemos que tais cláusulas são absolutamente proibidas, já que preenchem a previsão da alínea d) do artigo 21º do Decreto-Lei 446/85, e, consequentemente, nulas. As cláusulas que estabelecem que os “vouchers” não atribuem o direito ao uso de serviços ou à aquisição de produtos num determinado momento à escolha do consumidor, sendo necessário, em consequência, combinar individualmente com o parceiro a data para a entrega do produto ou para a prestação do serviço, também devem ser consideradas absolutamente proibidas e, portanto, nulas. Isto porque essas cláusulas podem dificultar a satisfação do direito que o “voucher” incorpora, limitando-se assim a obrigação de garantia que a sociedade titular do website assume de que o “voucher” atribui um direito à prestação do serviço ou ao fornecimento do produto pelo Parceiro, preenchendo-se dessa forma a previsão da alínea a) do artigo 21º do do Decreto-Lei 446/85. 

Os contratos em análise são celebrados sem a presença física e simultânea das partes, mas antes através de uma técnica de comunicação à distância (meios de comunicação eletrónica), pelo que também estão sujeitos ao regime jurídico do DL 143/2001 de 26 de Abril. Por isso, no âmbito dessa relação jurídica o consumidor goza do direito de resolver o contrato (artigo 6º do DL 143/2001), que implica a destruição retroativa dos efeitos de negócio celebrado e, consequentemente, a devolução do bem comprado e a restituição do montante despendido com a sua aquisição. Para exercer este direito o consumidor deve enviar uma carta registada com aviso de receção ao outro contraente ou à pessoa para tal designada no prazo de 14 dias após a receção do bem na qual manifeste a vontade de resolver o contrato, não sendo necessária a indicação de qualquer motivo. Nalguns casos excecionais o prazo anteriormente referido é alargado.

Assim, caso tenha problemas em utilizar o “voucher” que adquiriu, o consumidor pode devolvê-lo e exigir o preço que por ele pagou à sociedade detentora do sítio de compras coletivas. Porém, muitas vezes aquela recusa-se a fazer a restituição. Nesse caso poderá intentar-se uma ação judicial para recuperar o pagamento feito antecipadamente. Mas se essa sociedade não estiver sediada nem representada por nenhuma sucursal em Portugal é muito complicado conseguir executar uma decisão que a condene.

O consumidor também dispõe de meios de defesa face à empresa que comercializa o produto ou que presta o serviço. Isto porque, como já foi acima referido, o “voucher” incorpora o direito a uma prestação por parte dessa empresa (entrega de um produto ou realização de um serviço). Por isso, o consumidor poderá intentar uma ação de cumprimento contra a sociedade titular da empresa física e, se esta não cumprir, pedir uma indemnização pelo não cumprimento da obrigação, que incluirá, naturalmente, o dinheiro despendido com a compra do “voucher”. No entanto, esta solução não está expressa na lei, pelo que seria vantajosa uma legislação específica para os contratos celebrados através dos websites de compras coletivas.

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