terça-feira, 2 de agosto de 2011

A TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO

Como mecanismo de controlo de custos, iremos trespassar um dos estabelecimentos que exploramos. Após o trespasse, continuo a ter alguma responsabilidade quanto aos quatro trabalhadores que exercem a sua atividade nesse espaço?

A questão que aqui nos é colocada prende-se com as consequências laborais da transmissão de um estabelecimento. A transmissão de estabelecimento, prevista e regulada nos artigos 285.º a 287.º do código do trabalho, configura uma vicissitude contratual que corresponde a uma sub-rogação, por força da lei, do transmissário na posição jurídica contratual do transmitente e que, por isso, pode constituir um mecanismo de redução de custos.

1. De acordo com o artigo 285.º nº 1 do Código do Trabalho (CT), “em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral”. Retira-se, então, da análise a este preceito que a transmissão de estabelecimento não depende da existência de qualquer título específico translativo da titularidade do estabelecimento, podendo operar-se “por qualquer título”. Desta forma, o trespasse que, no caso em apreço, se irá efetuar é suscetível de produzir uma transmissão de estabelecimento.

2. A transmissão do estabelecimento envolve a transferência, para o adquirente, da posição jurídica de empregador relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores que, à data da transferência, nele exerçam a sua atividade. Na verdade, a transmissão do estabelecimento arrasta consigo os contratos de trabalho e, estes, a categoria profissional e a antiguidade dos trabalhadores.
Para além da posição de empregador, a transmissão de estabelecimento, por força do n.º 2 do predito artigo 285.º CT, também implica a responsabilidade do adquirente pela totalidade das obrigações do transmitente, nomeadamente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral. A esta situação deve, ainda, acrescer-se a responsabilidade solidária deste, durante o período de um ano subsequente à transmissão, pelas obrigações vencidas à data da transmissão.

3. Quanto aos requisitos formais necessários para se considerar a transmissão de estabelecimento eficaz, dispõe o artigo 286.º nº1 CT que “o transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes”. Esta informação deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta dos representantes dos respetivos trabalhadores, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores.

4. Importa, ainda, referir que, nos termos do disposto no artigo 498.º CT, em caso de transmissão de estabelecimento, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) que, eventualmente, vincula o transmitente, é aplicável ao adquirente até ao termo do respetivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da transmissão”. Esta norma visa, então, garantir uma certa estabilidade para os trabalhadores que são transferidos, porquanto, durante o período acima referido, o adquirente não pode alterar as condições de trabalho consagradas no IRCT.

5. Não obstante o Código do Trabalho ser omisso quanto a essa matéria, defende-se agora, na jurisprudência e na doutrina maioritárias, que o trabalhador cujo contrato foi transmitido para um novo empregador (o adquirente) tem direito a opor-se àquela transmissão e a resolver o seu contrato. Isto porque, por efeito da alínea b) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem o direito potestativo de poder resolver o contrato de trabalho, invocando justa causa objetiva, por alteração substancial e duradoura das condições de trabalho. Contudo, porque a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da segurança no emprego, no seu artigo 53.º, antes de se poder proceder à resolução do contrato de trabalho, deve aferir-se se o transmitente não dispõe de outro estabelecimento onde o trabalhador possa prestar o seu trabalho.

Em suma, no presente caso, o trespasse do estabelecimento implicará a transmissão da posição de empregador dos trabalhadores que aí exercem a sua atividade para o adquirente. Contudo, a empresa transmitente será solidariamente responsável, durante um ano, pelo pagamento das obrigações vencidas até à data da transmissão. Para além disso, caso algum trabalhador do estabelecimento que irá ser transmitido o solicite, a empresa transmitente deverá avaliar se é viável a colocação deste noutro dos seus estabelecimentos.

 (artigo publicado no Jornal Vida Económica de 29-07-2011) 

Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

1 comentário:

  1. Boa tarde,
    Após a leitura do texto fiquei com uma dúvida: o que acontece se o adquirente tiver graves problemas financeiros e ainda assim ocorrer a transmissão? Nesse caso, os trabalhadores farão uso do seu direito de oposição?
    Com os melhores cumprimentos,

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