terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A adaptabilidade (grupal)

Numa das secções da minha empresa, era necessário um ciclo de produção que exige que, em certos períodos, o tempo de trabalho seja superior ao normalmente fixado. Sucede que, uma pequena parte dos funcionários dessa secção não aceita a aplicação deste novo horário de trabalho. Posso aplicá-lo na mesma?

A organização do tempo de trabalho é cada vez mais um aspeto fulcral na eficiência das empresas. Por isso, é importante que todos os agentes da relação laboral compreendam quais os mecanismos de gestão do tempo de trabalho que a lei consagra. A adaptabilidade é um dos principais e é aplicável ao caso em análise.

A adaptabilidade é um modelo flexível de organização do tempo de trabalho: consiste na possibilidade de definir o período normal de trabalho em termos médios e pode adotar uma das seguintes modalidades: por regulamentação coletiva, individual ou grupal.

No caso em apreço, a modalidade aplicável será a adaptabilidade grupal, prevista e regulada pelo artigo 206.º do Código do Trabalho (CT). Contudo, como esta modalidade pressupõe a existência de um regime de adaptabilidade prévio, teremos que analisar as restantes modalidades desta figura. Assim:

  1. Adaptabilidade por regulamentação coletiva:

De acordo com o previsto no artigo 204.º CT, “por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho [IRCT], o período de trabalho pode ser definido em termos médios”. Neste regime, o limite diário de 8 horas de trabalho pode ser aumentado até 4 horas e a duração do trabalho semanal pode atingir 60 horas. No entanto, o período normal de trabalho definido pelo regime de adaptabilidade não pode exceder 50 horas em média num período de dois meses, o que permite evitar um desequilíbrio excessivo entre os tempos de trabalho.

  1. Adaptabilidade por acordo individual:

Previsto no artigo 205.º CT, este regime permite que, por proposta do empregador (ou por consagração no contrato de trabalho), à qual os trabalhadores se podem opor no prazo de 14 dias, o período normal de trabalho diário pode ser aumentado até duas horas e a duração do trabalho semanal pode atingir as 50 horas.
Importa sublinhar que nas semanas em que a duração do trabalho seja inferior a 40 horas, o acordo pode prever a redução do período de trabalho diário não superior a 2 horas ou a prestação do trabalho em parte dos dias da semana.

Qualquer destes regimes de adaptabilidade pressupõe um período de referência diferente da semana como base de cálculo do período normal de trabalho. As regras de determinação deste período constam de IRCT ou, na sua falta, do estabelecido no artigo 207.º CT.

  1. Adaptabilidade grupal:

A adaptabilidade grupal, prevista no artigo 206.º do Código do Trabalho, consiste numa nova modalidade de adaptabilidade, introduzida com a revisão do Código em 2009. Esta modalidade permite a aplicação do regime de adaptabilidade, ou seja, da possibilidade de definir o período normal de trabalho em termos médios, aos trabalhadores que não estejam abrangidos por IRCT potencialmente aplicável à empresa e que preveja essa faculdade ou, ainda, àqueles que se opuseram à proposta de adaptabilidade individual.

Assim, dispõe o n.º 1 do artigo 206.º do Código do Trabalho que “o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que institua o regime de adaptabilidade previsto no artigo 204.º pode prever que:
a)    O empregador possa aplicar o regime ao conjunto dos trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica caso, pelo menos, 60 % dos trabalhadores dessa estrutura sejam por ele abrangidos, mediante filiação em associação sindical celebrante da convenção e por escolha dessa convenção como aplicável;
b)    O disposto na alínea anterior se aplique enquanto os trabalhadores da equipa, secção ou unidade económica em causa abrangidos pelo regime de acordo com a parte final da alínea anterior forem em número igual ou superior ao correspondente à percentagem nele indicada.

Por outro lado, e quanto à modalidade de adaptabilidade individual, o artigo 206.º n.º 2 CT avança que “caso a proposta a que se refere o n.º 4 do artigo anterior seja aceite por, pelo menos, 75 % dos trabalhadores da equipa, secção ou unidade económica a quem for dirigida, o empregador pode aplicar o mesmo regime ao conjunto dos trabalhadores dessa estrutura.”

Pela análise deste preceito legal retira-se, então, que para que o empregador possa aplicar esta modalidade a todos os trabalhadores da secção ou unidade produtiva é necessário ou que 60% dos trabalhadores estejam abrangidos por IRCT que preveja esta modalidade ou, no caso de adaptabilidade individual, que 75% dos trabalhadores da secção tenham aceite a proposta.

Em suma, no caso em apreço, o empregador deve aferir se existe algum instrumento de regulamentação coletiva aplicável aos trabalhadores da secção e, bem assim, se aquele prevê a aplicação do regime da adaptabilidade. Se não existir, o empregador deve propor a aplicação de um regime de adaptabilidade individual. Se, neste último caso, apenas 25% dos trabalhadores se opuser ao regime, então, por força da adaptabilidade grupal, o empregador pode aplicar este modelo de organização do tempo de trabalho a todos os membros da secção.

(artigo publicado no Jornal Vida Económica de 23-12-2011, Consultório Laboral)

Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

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