terça-feira, 8 de novembro de 2011

Abandono do trabalho

Um dos nossos trabalhadores já não comparece ao trabalho há 11 dias, sem que, para tal, tenha dado qualquer justificação.
Por enquanto, temos conseguido reorganizar os nossos colaboradores, mas esta situação não pode manter-se assim durante muito mais tempo. O que podemos fazer?
Por diversas vezes, já aqui afirmámos que a gestão do capital humano assume fulcral importância na produtividade de uma empresa. Por isso, também os casos de cessação de contrato de trabalho devem ser geridos com o maior rigor.
No caso em apreço, e após análise dos factos descritos, importa referir que, desde que estejam cumpridos os requisitos legais, a empresa poderá promover a cessação do contrato de trabalho em causa por abandono do trabalho. Isto porque a figura do abandono do trabalho está prevista no n.º 1 do art. 403.º do Código do Trabalho (CT) e consiste na “ausência do trabalhador ao serviço acompanhado de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar”.
O abandono do trabalho, equivalendo à denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, pode assumir-se como uma alternativa à responsabilidade disciplinar, que exige um procedimento mais moroso. Isto porque, se a ausência do trabalhador não for justificada e não houver qualquer facto que impeça este de exercer a sua atividade, o trabalhador incorre em responsabilidade disciplinar, que pode dar azo a procedimento disciplinar por faltas injustificadas.
Recorde-se que, se as faltas injustificadas que o trabalhador dá atingirem, em cada ano civil, as 5 seguidas ou 10 intercaladas, estamos perante justa causa de despedimento, de acordo com o disposto no artigo 351.º n.º 1 al. g) CT.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo 403º do CT, presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência. Esta presunção é ilidível, ou seja, pode ser afastada, pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência do motivo de força maior, impeditivo da comunicação da ausência - conforme refere o n.º 3 daquele inciso legal.
No fundo, não basta, para que haja abandono do trabalho, a não comparência ao serviço do trabalhador, ainda que prolongada. Exige-se uma ausência que, atendendo às circunstâncias em que ocorre, indicie a vontade do trabalhador de pôr termo ao contrato de trabalho. Por isso, não poderá invocar-se o abandono do trabalhador quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade do trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho. Assim, se o empregador tiver conhecimento do motivo subjacente à não comparência ao serviço, não pode invocar-se o abandono do trabalho, devendo o trabalhador ser alvo de um procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento por faltas injustificadas.
As consequências previstas legalmente para o abandono do trabalho são de dois tipos. Por um lado, o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato de trabalho e, por outro, constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador. Com efeito, o trabalhador cujo contrato de trabalho cesse por abandono do trabalho fica obrigado a indemnizar o empregador em valor correspondente a um ou dois meses de retribuição base, consoante a sua antiguidade seja igual ou inferior a dois anos ou superior a dois anos. Para além desta indemnização, o trabalhador poderá responder, igualmente, nos termos gerais da responsabilidade civil, pelos danos eventualmente causados pelo facto de ter abandonado o trabalho sem qualquer aviso.
Note-se que a cessação do contrato resultante do abandono do trabalho só se torna juridicamente relevante, e, logo, invocável pelo empregador, após comunicação por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida do trabalhador. Enquanto não for remetida ao trabalhador a comunicação escrita, o empregador está impedido de invocar o abandono do trabalho como causa extintiva do contrato.
No caso em apreço, o empregador não tem qualquer conhecimento dos factos que motivam a ausência do trabalhador ao serviço. Por isso, e porque os requisitos legais da figura do abandono do trabalho estão preenchidos, deverá ser remetida missiva para a morada do trabalhador, informando-o que se presume o seu abandono do trabalho e que, por isso, o contrato de trabalho caducou.


Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

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