sexta-feira, 27 de julho de 2012

NOTAS SOBRE SISTEMA FISCAL DE ANGOLA E A DUPLA TRIBUTAÇÃO





A fiscalidade não é um factor, por si só, criador de riqueza, mas pode constituir um custo relevante para os investimentos, quando estão em confronto vários sistemas fiscais. É essencial ter presente as especificidades da fiscalidade angolana e portuguesa, sob pena das vantagens comerciais ficarem prejudicadas pela ocorrência de fenómenos de dupla tributação.


O investimento português em Angola tem de ter em consideração a tributação que ocorre nesse país, em especial, aquela que decorre do imposto industrial e do imposto sobre a aplicação de capitais. Além disso, o investidor deverá tomar em consideração a inexistência de uma convenção para evitar a dupla tributação, bem como, a inexistência de regras sobre a subcapitalização, os preços de transferência e a tributação especial de grupos de sociedades.

Neste contexto, os rendimentos provenientes de fonte angolana estão sujeitos em Angola à taxa geral de 30% (imposto industrial), que poderão ser imputáveis a um estabelecimento estável aí situado. Ainda em sede de tributação de imposto industrial, as empreitadas e outras prestações de serviços estão, respectivamente, nos termos da Lei n.º 7/97, sujeitas retenção na fonte de 3,50% e 5,25%.

Nos termos da revisão do código do imposto sobre a aplicação de capitais, este imposto incide sobre os rendimentos resultantes da aplicação de capitais, que se dividem em duas secções (secção A e B). Na secção A incluem-se os juros dos capitais mutuados e os rendimentos provenientes dos contratos de abertura de crédito, que estão sujeitos a uma taxa de imposto de 15%. Na secção B incluem-se, entre outros, os dividendos, juros de obrigações, juros de suprimentos, royalties, juros de depósito à ordem e a prazo, e quaisquer ganhos decorrentes da alienação de participações sociais, aos quais se aplicam uma taxa de imposto de 10%. No entanto, existem algumas situações em que a taxa de imposto é de 5%, como sejam os juros provenientes de bilhetes e obrigações do tesouro.

O sistema angolano adopta o princípio da territorialidade, o que associado à inexistência de convenção internacional para evitar a dupla tributação, promove fenómenos de rendimentos tributados por mais que um sistema fiscal. Assim, a dupla tributação internacional surge quando situações que têm contacto com mais do que uma ordem jurídica são objecto de tributação pelos diferentes países intervenientes na relação jurídica. Porquanto, estamos perante situações que estão em conexão, num dos seus elementos, com mais que um ordenamento jurídico, não sendo, por isso, situações puramente internas.

Em vários casos, a dupla tributação provoca efeitos negativos em relação às trocas comerciais, bem como, na circulação de capitais, de tecnologias e de pessoas.

Quanto ao poder de tributação, ele ocorre com base em algum elemento de conexão. Essa conexão pode ter uma vertente pessoal ou territorial, ou seja, será baseada na nacionalidade ou no território.

A dupla tributação é um conceito utilizado no direito tributário para designar o fenómeno do concurso de normas, ou seja, quando o mesmo facto se integra na previsão de duas normas diferentes, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto. Por isso, este conceito implica a existência de identidade do facto (do objecto, do sujeito, do período contributivo e do imposto) e da pluralidade de normas. Com efeito, merece especial atenção o problema da identidade de sujeitos, para separar a dupla tributação jurídica da económica. Assim, na dupla tributação jurídica existe identidade do sujeito, ou seja, tributa-se, por diferentes normas, o mesmo sujeito passivo, enquanto que, na dupla tributação económica, ocorre a designada dupla imposição económica ou sobreposição de impostos, que implica que exista identidade quanto ao objecto, mas diversidade quanto aos sujeitos passivos.

Nestes termos, as convenções sobre dupla tributação pretendem eliminar a dupla tributação jurídica e não a dupla tributação económica. Também é costume afirmar que, no caso concreto de Angola, existe no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) uma norma que promove o mesmo resultado do que estas convenções internacionais. No entanto, tal afirmação não corresponde à realidade, pois, o artigo 42.º do EBF é limitado à questão da dupla tributação económica dos lucros distribuídos e não à dupla tributação jurídica, por isso, tem um campo de aplicação bastante reduzido.

Nos termos desta disposição legal, é aplicável aos lucros distribuídos a entidades residentes por afiliadas residentes em países africanos de língua oficial portuguesa (como Angola), a dedução dos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondente aos lucros distribuídos, prevista no artigo 51.º n.º do Código de IRC. No entanto, este benefício está dependente da verificação cumulativa de alguns requisitos. Assim, as entidades envolvidas (beneficiária e distribuidora) devem estar sujeitas e não isentas de IRC ou de imposto sobre o rendimento análogo a este. Depois, a entidade beneficiária tem de deter, de forma directa, uma participação não inferior a 25% do capital da sociedade distribuidora (afiliada), durante um período de 2 anos. Por fim, os lucros distribuídos têm de ter origem em lucros da sociedade distribuidora que tenham sido tributados a uma taxa não inferior a 10%. Os lucros gerados não devem resultar de actividades geradoras de rendimentos passivos, tais como, royalties, mais-valias, outros rendimentos de valores mobiliários e rendimentos de imóveis situados fora do país de residência da sociedade.

Esta disposição legal não resolve a dupla tributação jurídica internacional, como seja, por exemplo, o problema de Portugal tributar com base na residência todos os rendimentos gerados (princípio da tributação mundial dos seus cidadãos) e Angola tributar os rendimentos gerados no seu território (princípio da tributação da fonte).

No caso de Portugal e Angola, apesar das negociações existentes, ainda não foi possível celebrar uma convenção para evitar a dupla tributação internacional, o que pode criar vários problemas aos empresários de ambos os países. A conclusão deste processo é fundamental para potencializar os investimentos noutros países da região africana, bem como, para assegurar a segurança jurídica da situação fiscal dos contribuintes que exercem, ou pretendem exercer, quaisquer actividades comerciais, industriais, financeiras, ou outras, em Angola.

A celebração de acordos sobre a dupla tributação permitirá aumentar e intensificar o desenvolvimento das relações económicas internacionais, possibilitando maior flexibilidade no movimento de capitais e pessoas, nas transferências de tecnologias e circulação de pessoas, bens e serviços. Além disso, a celebração destes acordos impulsionará a entrada em Angola e Portugal de capitais imprescindíveis ao desenvolvimento de ambos os países.

A celebração do dito acordo permitirá, também, uma maior transparência e celeridade nos negócios entre as empresas dos dois países, tal como permitirá a utilização do sistema fiscal como um instrumento de política económica, evitando que os incentivos fiscais sejam anulados pela dupla tributação.

A primeira questão que se coloca ao investidor português, tendo em conta a questão fiscal consiste em determinar se lhe é mais favorável constituir uma sociedade de direito angolano ou se lhe é mais vantajoso actuar através de um estabelecimento estável. Os rendimentos, em ambas as situações, ficam sujeitos a imposto industrial, à taxa de 30 %, mas os lucros de uma sociedade (subsidiária) serão sujeitos a uma retenção na fonte de 10%, enquanto o repatriamento dos excedentes de um estabelecimento estável (sucursal) não está sujeito a tributação. No entanto, há que ter em conta que a concessão de benefícios fiscais será mais fácil no caso de se tratar se uma subsidiária. Além disso, sendo uma sucursal, os seus resultados serão logo incluídos na matéria colectável de IRC, já os lucros de uma subsidiária, em regra, só são objecto de tributação em IRC aquando da sua distribuição aos sócios residentes em Portugal. Adicionalmente, a opção por um sucursal (estabelecimento estável) permite deduzir os seus prejuízos ao imposto devido em Portugal.

Neste âmbito, poderá existir vantagem na utilização de sociedades intermédias, tanto para a tributação dos rendimentos como para um eventual desinvestimento. Essas sociedades podem trazer a vantagem de estarem localizadas em países com isenção de tributação de dividendos e mais-valias, bem como taxas reduzidas de imposto sobre o rendimento, como sucede no Luxemburgo e Holanda. Ora, uma opção bastante viável será a utilização de uma sociedade localizada e licenciada na zona franca da Madeira.

A zona franca da Madeira beneficia de um conjunto de incentivos fiscais para promoção e captação de investimentos. Esses incentivos dirigem-se às sociedades que aí se instalam, aos seus sócios e a determinadas operações objectivamente consideradas.

Actualmente, esta matéria encontra-se regulada nos artigos 33.º e 36.º do EBF. Nos termos do artigo 36.º do EBF, os rendimentos das entidades licenciadas até 31 de Dezembro de 2013 para o exercício de actividades industriais, comerciais, de transportes marítimos e de outros serviços não excluídos, são tributados em IRC, até 31 de Dezembro de 2020, à taxa de 5%, sendo que, em 2012, ainda poderão beneficiar da taxa de 4%.

Para aceder a este benefício, as empresas licenciadas deverão criar de um a cinco postos de trabalho e realizar um investimento mínimo de € 75.000,00 (na aquisição de activos fixos corpóreos ou incorpóreos) nos dois primeiros anos de actividade, ou criar seis ou mais postos de trabalho, nos seis primeiros meses de actividade.

No caso de se tratar de entidades que prossigam actividades industriais, podem, ainda, beneficiar de uma dedução de 50% à colecta IRC, desde que preencham, pelo menos, duas das condições elencadas nas alíneas do n.º 5 do artigo 36.º do EBF.

No entanto, algumas actividades estão excluídas deste regime especial, como sejam as actividades de intermediação financeira, de seguros e das prosseguidas por instituições auxiliares de intermediação financeira e de seguros, bem como, as actividades de tipo “serviços intragrupo”, designadamente, os centros de coordenação, de tesouraria e de distribuição.

Não obstante isso, os rendimentos das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) licenciadas até 31 de Dezembro de 2013, são tributados às taxas acima elencadas, excepto os obtidos em território nacional.

Finalmente, a utilização de uma sociedade intermédia, com sede na zona franca da Madeira, permite obter vantagens na eliminação da dupla tributação económica dos dividendos distribuídos aos sócios residentes no continente. Ora, a vantagem decorre do facto ser exigida uma menor percentagem da participação social (10%) e um período de detenção também inferior (1 ano), em relação ao previsto no artigo 42.º do EBF.



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