segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cedência ocasional de trabalhadores


Sou diretor de recursos humanos de uma empresa que se encontra numa relação de grupo com outras sociedades. Atualmente, a minha empresa não tem um volume de trabalho que permita ocupar a totalidade dos colaboradores contratados. Todavia, uma das outras empresas do grupo em que estamos inseridos necessita de mão de obra idêntica à que dispomos. Poderei ceder alguns dos trabalhadores?

O período de recessão económica que vivemos exige que as empresas utilizem corretamente os instrumentos legais que têm ao seu dispor, com vista a uma redução dos custos e ao aumento da sua liquidez.
A questão que é colocada prende-se com um desses mecanismos legais de gestão de recursos humanos: a cedência ocasional de trabalhador, que consiste na disponibilização temporária de um trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade.
Prevista nos artigos 288.º e seguintes do Código do Trabalho (CT), a cedência ocasional de trabalhador é, também, caracterizada pelo facto de, mesmo durante o período de cedência, o trabalhador manter o vínculo contratual com a empresa cedente.
Por configurar uma situação excecional à normal execução do contrato de trabalho, a cedência ocasional apenas é lícita se estiverem preenchidos as condições, cumulativas, plasmadas no artigo 289.º n.º 1 CT. Assim, estaremos perante uma cedência ocasional de trabalhador válida, i) se o trabalhador estiver vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo; ii) se a cedência ocorrer entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns; iii) se o trabalhador concordar com a cedência e, iv) se a duração da cedência não exceder um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos.
Importa, aqui, alertar que, nos termos do disposto no artigo 292.º CT, a violação de qualquer uma destas condições tem por consequência a ilicitude da cedência ocasional, concedendo ao trabalhador em causa o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário, em regime de contrato de trabalho sem termo.
Para além destas condições, é necessário que a cedência ocasional conste de acordo, escrito, celebrado entre a empresa cedente e a cessionária, que deve conter, entre outras, a menção à duração da cedência e, bem assim, a indicação da atividade a prestar pelo trabalhador. Se, por qualquer motivo, este acordo cessar, o trabalhador regressa ao serviço do cedente, mantendo os direitos que tinha antes da cedência, cuja duração conta para efeitos de antiguidade. Entre outras finalidades de natureza formal, este pacto entre a empresa cedente e cessionária impede que o trabalhador cedido, por sua única vontade, promova a cessação do acordo de cedência ocasional, regressando, desta forma, ao cedente.
Também neste caso, a inexistência ou irregularidade do documento que deve titular a cedência ocasional tem por consequência a ilicitude da mesma, nos termos previstos no artigo 292.º CT.
De acordo com o disposto no artigo 291.º n.º 1 CT, durante o período em que se encontra cedido, o trabalhador está sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ao modo, local, duração do trabalho, suspensão do contrato, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais. Retira-se, assim, que, enquanto o trabalhador está cedido, incumbe à empresa cessionária o poder de direção e, por isso, entre outras obrigações, esta deve elaborar o horário de trabalho daquele e marcar o período das férias que sejam gozadas ao seu serviço.
Sublinhe-se que, não obstante o trabalhador se encontrar cedido, o vínculo jurídico mantém-se com a entidade cedente, razão pela qual a retribuição do trabalhador deve ser assegurada por esta. Apenas assim não sucederá quando, por força de acordo entre cedente e cessionária (e sem oposição do trabalhador) se fixar que incumbe a esta o pagamento da retribuição devida.
Por força do n.º 5 do predito preceito legal, a retribuição do trabalhador cedido tem de, pelo menos, corresponder à retribuição mínima fixada na lei (ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável) para as funções que desempenha. No entanto, se para as funções que o trabalhador irá exercer, a empresa cessionária pagar uma retribuição mais elevada que a praticada na empresa cedente, será essa que, no caso, se aplicará.
O trabalhador cedido não pode ser colocado em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo quando corresponda à sua qualificação profissional específica. Para além disso, importa referir que o trabalhador não é considerado como trabalhador da empresa cessionária, salvo no que concerne à organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho.
Em suma, a figura da cedência ocasional de trabalhador permite que as empresas façam uma correta gestão dos seus colaboradores, podendo, dessa forma, por um lado, reduzir os custos e, por outro lado, aumentar a capacidade produtiva. Por isso, este instrumento legal, muitas vezes esquecida pelo tecido empresarial português, pode assumir algum relevo na recuperação da contabilidade das empresas.

Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

Sem comentários:

Enviar um comentário