segunda-feira, 11 de julho de 2011

PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA


No âmbito do crescimento exponencial do comércio internacional e ao abrigo do princípio da livre concorrência, surgiram as grandes empresas multinacionais, que vieram trazer novos problemas aos sistemas fiscais de cada Estado. Ora, um dos problemas é o modo como se salvaguarda as receitas fiscais e se combate a fraude fiscal e os comportamentos abusivos. É, assim, neste panorama, que surgem os preços de transferência.
Na legislação fiscal portuguesa, os preços de transferência (transfer pricing) estão regulados no artigo 63.º do Código de IRC (CIRC), cuja a disciplina está desenvolvida na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 Dezembro, como dispõe o artigo 63.º n.º 13 do CIRC. A referida norma legal do CIRC, pretende evitar, através dos preços, transferências de resultados entre entidades que mantenham entre si relações especiais e, também, transferências internas de resultados entre sectores da mesma entidade, mas sujeitos a regimes fiscais diversos. Assim, nestas operações comerciais, entre determinada entidade e qualquer outra com quem mantenha relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente semelhantes aos que normalmente seriam contratados, aceites ou praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
O sujeito passivo deve adoptar, conforme dispõe o artigo 63.º n.º 2 do CIRC, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de promover um elevado grau de comparabilidade entre as operações.
Quanto aos métodos, o n.º 3 do artigo 63.º do CIRC, enumera aqueles que devem ser utilizados, ou seja: i) o método do preço comparável de mercado; ii) o método do preço de revenda minorado; ou iii) o método do custo majorado. No entanto, a opção por um destes métodos pode revelar-se inapropriada ou desajustada, promovendo resultados pouco credíveis. Logo, subsidiariamente, deverão ser aplicados outros métodos, baseados no lucro da operação ou qualquer outro que se mostre adequado à situação em concreto. Esses outros métodos são o método do fraccionamento do lucro e o método da margem líquida.
A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 Dezembro, dispõe que o sujeito passivo deverá optar pelo método mais adequado, em cada operação, a conferir o melhor nível de comparabilidade entre operações. Todavia, tal objectivo nem sempre é alcançável, pois, as variáveis que influenciam os preços são cada vez mais complexas, o que torna difícil a utilização dos métodos tradicionais. Consciente deste problema, a legislação nacional possibilita a introdução de ajustamentos para eliminar, ou, pelo menos, minorar as diferenças.
Na aplicação deste regime temos de estar perante relações especiais, para esse efeito, o artigo 63.º n.º 4 do CIRC, considera que tal sucede nas situações em que uma entidade tenha o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra. No entanto, saliente-se que as situações enumeradas na referida norma legal são meramente exemplificativas.
O artigo 63.º n.º11 do CIRC, consagra os designados ajustamentos correctivos, que consistem num mecanismo de combate à dupla tributação do mesmo rendimento. Deste modo, quando a DGCI proceda às correcções necessárias, (para a determinação do lucro tributável em virtude de relações especiais, na determinação do lucro tributável da outra entidade) devem ser efectuados os ajustamentos adequados, que sejam o reflexo dessas correcções. Acresce que, nos termos do artigo 138.º do CIRC, se admitem os designados acordos prévios sobre preços de transferência (advance pricing agreements), os quais foram objecto de regulamentação pela Portaria n.º 620-A/2008, de 16 Julho. Nos termos do artigo 138.º n.º 1 do CIRC, estes acordos têm “[…] por objecto estabelecer, com carácter prévio, o método ou métodos susceptíveis de assegurar a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes nas operações comerciais e financeiras, incluindo as prestações de serviços intra grupo e os acordos de partilha de custos, efectuadas com entidades com as quais estejam em situação de relações especiais ou em operações realizadas entre a sede e os estabelecimentos estáveis”. Estes acordos podem ser de dois tipos: os acordos unilaterais (entre a DGCI e um ou vários sujeitos de IRS ou IRC e os acordos bilaterais ou multilaterais (onde intervêm ainda outras administrações fiscais).
No que se refere às obrigações declarativas, o sujeito passivo está obrigado, nos termos do artigo 63.º n.º 7 do CIRC, a declarar a existência ou não de transacções com entidades relacionadas. Assim, deverá identificar as entidades envolvidas, o volume dos negócios em causa e a existência de eventual documentação sobre os preços praticados. Tais obrigações declarativas são fundamentais para que não se proceda à inversão do ónus da prova.
Nestes termos, pode-se concluir o seguinte:
-        As regras dos preços de transferência têm a natureza de norma anti-abuso específica;
-        O método de comparabilidade a ser utilizado depende de cada caso concreto, podendo ser utilizado um outro método, para além dos referidos no artigo 63.º n.º 3 do CIRC;
-        É possível existirem relações especiais para além das que estão enunciadas no artigo 63.º n.º 4 do CIRC;
-        O sujeito passivo pode estabelecer com a administração fiscal acordos prévios, quanto ao método ou métodos de comparabilidade a utilizar.

(um dos temas da newsletter nº10 de 2011, última do mês de junho) 

Zeferino Ferreira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

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