terça-feira, 10 de maio de 2011

A transferência de local de trabalho a pedido do trabalhador vítima de violência doméstica


Sou diretor de recursos humanos de uma sociedade que tem dois estabelecimentos a laborar.
Na semana passada, fui interpelado por uma das nossas colaboradoras que solicitou a transferência de local de trabalho. Para tal, alegou que tem vindo a ser alvo de violência doméstica.
Pretendo ajudar a nossa colaboradora, mas atualmente não tenho qualquer vaga no outro estabelecimento. Que posso fazer?
 
Infelizmente, em Portugal, a violência doméstica é um fenómeno recorrente. Na verdade, só no ano de 2010 a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima assinalou 13.886 crimes relacionados (direta ou indiretamente) com a violência doméstica.
Atualmente o Código Penal consagra expressamente (no art. 152º - Violência Doméstica) que existe crime de violência doméstica quando existam "maus tratos físicos e psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (...) a pessoa de outro ou do mesmo sexo" com quem o agressor "mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem habitação". A tipificação deste crime permitiu que um maior número de agressores seja condenado pelos seus atos. Mas a proteção da vítima não se esgota na penalização do agressor. De facto, muitas vezes é necessário garantir que aquela tem condições, físicas e psicológicas, para continuar a sua rotina, mormente através da execução da atividade laboral. É, nesta senda, que o Código do Trabalho, no seu artigo 195.º, prevê que o trabalhador vítima de violência doméstica tem direito a ser transferido, temporária ou definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa.
Este preceito foi introduzido pela revisão do Código do Trabalho, operada pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, sendo que, até então, não havia qualquer outro inciso na lei laboral com este conteúdo.

Para o trabalhador vítima de violência doméstica poder solicitar a transferência de local de trabalho é necessário, por um lado, que já tenha apresentado queixa-crime por crime de violência doméstica e, por outro, que, no momento em que se efetive a transferência, o trabalhador tenha saído da casa de morada de família. Note-se, então, que esta proteção apenas existe caso o trabalhador seja casado ou se encontre em situação de união de facto há mais de dois anos. Isto porque, só nestes casos é que a lei admite a existência de casa de morada de família – cfr. art. 1576.º e ss. Código Civil e Lei n.º 7/2011, de 11 de maio.

Uma vez pedida a transferência, o empregador apenas a pode adiar com fundamento em exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa, ou até que exista posto de trabalho compatível disponível. Contudo, e independentemente do fundamento para o adiamento da transferência, o trabalhador tem (sempre) direito a suspender o contrato de imediato.
Durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o vínculo laboral subsiste, mas os seus efeitos principais, designadamente a prestação da atividade e o pagamento da retribuição estão, total ou parcialmente, sustados – cfr. art. 330º e ss. do Código do Trabalho. Como o contrato de trabalho subsiste, o período de inatividade conta para a determinação da antiguidade e não se interrompe o prazo para efeito de caducidade do contrato de trabalho a termo.

Importa, ainda, referir que, caso o trabalhador solicite, o empregador tem de garantir a confidencialidade da situação que motiva a alteração do local de trabalho. Este dever de confidencialidade incide quer sobre a transferência, quer sobre a suspensão do contrato, quando esta ocorrer. Quando o empregador violar a confidencialidade, incorre no dever de indemnizar o trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil.

Caso não pretenda ser transferido para outro estabelecimento, o trabalhador vítima de violência doméstica pode, nos termos do disposto no artigo 166.º do Código do Trabalho, passar a prestar o seu trabalho em regime de teletrabalho. Para tal, basta que o trabalhador o solicite e, bem assim, que o trabalho que exerça seja compatível com o regime de teletrabalho. No entanto, também neste caso o pedido prévio do trabalhador deve ser instruído com a prova de apresentação de queixa-crime.

No caso em apreço, como não há qualquer posto de trabalho disponível no outro estabelecimento da empresa, que não aquele em que a colaboradora vítima de violência doméstica exerce a sua atividade, esta poderá suspender o contrato de trabalho de imediato. No entanto, a trabalhadora poderá, ainda, requerer a prestação de trabalho em regime de teletrabalho, sendo, apenas, necessário que a atividade que exerce seja compatível com essa modalidade de prestação do trabalho.

Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

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