segunda-feira, 6 de junho de 2011

A presença em ações de formação


No próximo mês, a minha empresa organizará uma ação de formação para 10 dos seus colaboradores. Dois destes trabalhadores ameaçam faltar à totalidade das sessões, alegando, para tal, que não têm de comparecer se não lhes for pago trabalho suplementar. Note-se que a ação em causa iniciar-se-á na última hora de trabalho e estender-se-á 45 minutos para além do final do horário de trabalho. Temos de lhes pagar estas horas de trabalho “suplementar”?

A formação profissional é essencial se se pretende vingar no mercado competitivo em que estamos inseridos. Para além de um dever, a formação profissional deve ser encarada, pelos empregadores, como um investimento com vista ao aumento da sua produtividade. É que, através da formação profissional, os empregadores podem valorizar a competência dos seus colaboradores, adquirindo, dessa forma, mais-valias para a própria organização. Mas, como investimento que é, a formação profissional deve ser atribuída com critério e através de mecanismos que permitam controlar as regras da sua atribuição e os resultados obtidos.
De acordo com o disposto no artigo 131.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho (CT), o empregador deve “assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, (…)”. Acresce o n.º 2 deste normativo que “o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano”
Note-se que o empregador deve assegurar, em cada ano, formação contínua a pelo menos 10% dos trabalhadores da empresa. As horas de formação profissional que não sejam asseguradas pelo empregador, até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em créditos de horas, em igual número, para formação por iniciativa do trabalhador.
 No que diz respeito ao seu desenvolvimento, importa referir que a formação profissional pode ser ministrada diretamente pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente. Uma vez prestada, a formação profissional deve ser registada na Caderneta Individual de Competências do trabalhador.
De acordo com o disposto no artigo 128.º n.º 1 al. d) CT, o trabalhador tem o dever de “participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador”. Assim, o trabalhador não só deve comparecer nas ações de formação que lhe forem facultadas pelo empregador como deve participar nas mesmas de modo interessado. Caso não o faça, o trabalhador viola um dos deveres laborais a que está adstrito, podendo, por isso, ser sancionado disciplinarmente, de acordo com as regras previstas nos artigos 328.º e ss. CT.
Do referido artigo 128.º CT retira-se, também, que, ainda que a ação de formação seja agendada para período não compreendido no horário de trabalho, o trabalhador está obrigado a comparecer. No entanto, dependendo do momento em que a ação de formação for ministrada, tal comparência poderá (ou não) consubstanciar trabalho suplementar. É que, de acordo com o disposto no artigo 212.º CT, compete ao empregador determinar o horário de trabalho, que equivale à determinação das horas de início e de termo do trabalho em cada dia, tendo em conta os intervalos de descanso – cfr. art. 200.º CT. Regra geral, todo o trabalho prestado para além dos limites previstos no horário de trabalho deve ser considerado trabalho suplementar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 226.º CT.
Contudo, nem todo o trabalho prestado fora do horário de trabalho é considerado trabalho suplementar. Com efeito, estabelece o artigo 226.º n.º 2 al d) CT, não é considerado trabalho suplementar a “formação profissional realizada fora do horário de trabalho, que não exceda duas horas diárias”. Não sendo considerado trabalho suplementar, este tempo deve entender-se como tempo de trabalho, o que determina a sua retribuição.
Pelo exposto, no caso em análise, não assiste razão aos trabalhadores que ameaçam faltar à ação de formação, pois esta não é, por força do disposto no artigo 226.º n.º 2 al. d) CT considerada trabalho suplementar. Caso os colaboradores faltem, incumprem um dever laboral, razão pela qual podem ser sancionados disciplinarmente.
Em suma, a formação profissional é uma obrigação do empregador, que deve fornecer aos trabalhadores que, com ele, colaboram “armas” para a sua valorização profissional. No entanto, também para os trabalhadores a formação profissional representa um poder-dever, que obriga que estes não assumam uma posição passiva face à ação de formação, devendo demonstrar interesse e participar diligentemente na mesma, com vista à obtenção de novas qualificações e valências. Na verdade, apenas desta forma, os intervenientes da relação laboral conseguirão aumentar a produtividade empresarial.

Ricardo Meireles Vieira
Gabinete de Advogados António Vilar & Associados

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